Oliveira Damas &eacut; Graça Advogados +55 43 3342-5500 Fale conosco
 
«« Voltar

Boate Kiss: Mãe de vítima exerceu direito de expressão em artigo

O Juiz de Direito Carlos Alberto Ely Fontela, titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Santa Maria, julgou improcedente ação ajuizada por Promotor aposentado e o filho dele, Advogado, contra a mãe de uma das vítimas da boate Kiss. Ricardo Luís Schultz Adede Y Castro e João Marcos Adede Y Castro pediam reparação de danos morais de Irá Mourão Beuren devido ao conteúdo de um artigo escrito por ela no jornal Diário de Santa Maria. Ela é mãe de uma das 242 vítimas fatais do incêndio ocorrido no estabelecimento, em 27/01/13. Para o magistrado, a mãe exerceu do seu direito fundamental de liberdade de expressão, e por isso não pode ser penalizada.

Os autores da ação alegaram que a ré sugeriu que Ricardo teria sido beneficiado, enquanto Advogado da boate, da condição de filho de João Marcos, então Promotor de Justiça atuante na Comarca. Mas o magistrado entendeu a publicação está dentro do âmbito de proteção do direito constitucional de liberdade de expressão e de pensamento da ré.

Em sua decisão, ressaltou ainda que Irá, na condição de mãe de uma das vítimas da tragédia, com abalo emocional imensurável, viu-se no seu direito garantido pela Carta Magna, de expressar sua opinião frente a um artigo publicado no mesmo jornal local, no dia 29/4/14, de autoria do então Procurador-Geral de Justiça. "Com efeito, no presente caso, também há que ter em mente que tais palavras vieram de uma mãe que viu seu filho com tão pouca idade, ter a vida ceifada, em razão de um fato lamentável, sem precedentes na história deste país, que tomou repercussão mundial", considerou o magistrado.

Caso

Segundo os autores, Irá sugeriu que eles teriam participado de suposto beneficiamento ilícito, em razão do corporativismo e tráfico de influência. Disseram que o texto intitulado "A boate Kiss e o MP" (Diário de Santa Maria, 6/5/15, pág 4) repercutiu de forma muito negativa, com alterações significativas no seu cotidiano e vida pessoal, a ponto de Ricardo ser parado nos corredores do Fórum por colegas que lhe indagavam a respeito dos fatos e insinuações feitas pela ré. João Marcos também afirmou que ficou profundamente abalado, já que enquanto Promotor de Justiça, sempre pautou sua atuação nos estritos limites da lei e da ética. Mencionaram que, no dia 8/5/15, publicaram no mesmo jornal local uma espécie de "Direito de Resposta", com o intuito de esclarecer à comunidade a realidade dos fatos.

Já Irá Beuren relatou que, por ser mãe de uma das vítimas da tragédia, fato de grande repercussão na imprensa nacional e mundial, e consternada com a perda de seu filho mais novo, começou a utilizar o "espaço do leitor", na imprensa local para manifestar seus anseios, dúvidas e indagações. Sustentou que o texto apenas exprime dúvidas de uma mãe que perdeu o filho e anseia por respostas concretas da justiça, jamais tendo imputado crime, ou ferido a honra de alguém.

Decisão

O Juiz Carlos Alberto Ely Fontela afirmou que a liberdade de pensamento e expressão é direito fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em que a Carta Magna também protege a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, prevendo a indenização por danos materiais ou morais, quando ocorrer a violação. Mas que, no caso concreto, lendo com atenção o artigo, a publicação está dentro do âmbito de proteção do direito constitucional de liberdade de expressão e de pensamento da ré.

O magistrado exemplificou, citando o primeiro parágrafo do texto: "Para esclarecimento geral: o procurador da boate Kiss era Ricardo Luis Schultz Y Castro (Kümmel & Kümmel Advogados Associados).O mesmo filho do promotor de Justiça à época. Após a aposentadoria, outro promotor assumiu (Ricardo Lozza)."

Para ele, o que foi escrito por Irá "mostra-se rente à realidade, à verdade, pois efetivamente o autor Ricardo passou a atuar como advogado da 'boate Kiss' depois que o seu pai (autor João Marcos) deixou de exercer as suas funções no inquérito civil que instaurara, em razão da redistribuição das atribuições das promotorias de justiça de Santa Maria".

Sob o ponto de vista legal, afirmou o magistrado, "não havia óbice para que o autor Ricardo fosse constituído como advogado da boate Kiss no inquérito civil nº 00864.00145/2009, já que quando começou a patrocinar os interesses do seu cliente, o seu pai já não mais tinha atribuição no aludido expediente, não havendo, de rigor, nada que, legalmente, o tornasse impedido de atuar". Já do aspecto moral, apesar da alegada expertise do autor Ricardo em matéria ambiental, "o que os autores forcejaram para comprovar, haja vista os inúmeros documentos juntados para tal fim, talvez não fosse recomendável a sua atuação como advogado em inquérito civil no qual o seu pai deu o pontapé inicial, ainda mais estando ele ainda na ativa nesta cidade, a fim de não dar margem a qualquer discussão ou ilação".

Assim, na avaliação do julgador, se o que Irá disse sobre os autores é verdadeiro e dentro do seu direito fundamental de liberdade de expressão, ela não pode ser penalizada pelo fato de os leitores do artigo jornalístico ou da publicação do texto no Facebook terem tido interpretação ou interpretações que eventualmente viesse a fustigar a honra ou a imagem dos autores.

"A leitura do artigo revela que em nenhuma passagem do seu texto a ré utilizou palavras com o intuito de ferir a honra ou a imagem pública dos autores, mormente se contextualizarmos o artigo escrito pela requerida, o que, aliás, sempre deve ser feito para evitar incompreensões e desinteligências", afirmou.

"As dimensões do evento - uma tragédia com consequências de gravidade sem precedentes - acarretaram dores e traumas indiscutíveis a todos que dele participaram direta ou indiretamente, e indiscutivelmente maiores a uma mãe que viu seu amado filho ser tirado da sua convivência de forma tão trágica e inesperada. É do instinto do ser humano buscar respostas ou um "culpado" por um fato que tira um ente tão querido do seu convívio", asseverou.

Cabe recurso da decisão.

Proc. 027/1.15.0009961-9 (Comarca de Santa Maria)

Fonte: TJ-RS


«« Voltar